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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Panetones na Redação


Logo no primeiro dia, o nome do governador do Distrito Federal estava nas manchetes. Menos no Correio Braziliense. E estava nas capas por uma razão muito simples: temos diante de nossos olhos e ouvidos o escândalo de corrupção mais detalhado e filmado da história política brasileira. Existem situações em que manchetes de jornais, ao serem cotejadas em determinado período de tempo, oferecem uma visão clara sobre os compromissos deste ou daquele veículo de comunicação. As leituras das manchetes denunciam também o grau de independência e profissionalismo dos veículos. O artigo é de Washington Araújo.


Washington Araújo - Observatório da Imprensa



Uma semana é tempo suficiente para fazer muita coisa. Este período de tempo ficou mais famoso com a descrição da criação do mundo em seis dias de trabalho – e quanta coisa se pode fazer! – ficando o sétimo dia para o descanso, que ninguém é de ferro. A descrição da semana mais famosa de que se tem notícia está registrada bem no início da Bíblia no livro de Gênesis, capítulos 1 ao 3, e o autor é ninguém menos que Moisés. Seu relato é sucinto, objetivo e substantivo, nada de grandiloqüência.



"1º Dia – Deus fez a luz; 2º Dia – Deus fez o céu; 3º Dia – Deus fez a terra, os mares, as árvores e as plantas; 4º Dia – Deus fez o sol, a lua e as estrelas; 5º Dia – Deus fez os pássaros e peixes; 6º Dia – Deus fez os animais e Adão e fez também Eva, a primeira mulher; e no 7º Dia – Deus descansou!"



Pois bem, voltemos ao que interessa. Se em uma semana tudo foi criado e até descanso foi contemplado, uma semana não foi tempo suficiente para que o principal jornal de Brasília (o mais influente e renomado por sua detalhada cobertura política) conseguisse tratar do caso que, desde seu início, em 28 de novembro de 2009, recebeu ampla cobertura dos grandes jornais brasileiros, no eixo Rio-São Paulo e até mesmo no exterior.



É gritante, salta aos olhos e é, por todos os motivos, desconcertante o jornalismo praticado pelo Correio Braziliense entre os 28/11 e 3/12/2009. Moradores de Brasília ficariam bem informados do que se passava em sua cidade, e também capital de todos os brasileiros, se estivessem lendo O Globo, o Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo ou se estivessem com os olhos sempre grudados nos telejornais que foram ao ar nesse período. O chamado panetonegate emergiu com a força da imagem em movimento, com dezenas de vídeos, sempre muito bem produzidos, com bom áudio, imagens focadas, ângulos e planos de quem parece entender bem do código audiovisual.



Cara de paisagem

Vamos por partes porque o assunto demanda detalhamento.

No primeiro dia em que o escândalo no Governo do Distrito Federal (GDF) foi noticiado – 28 de novembro –, o Correio Braziliense optou por manchete genérica, dando ares de normalidade ao que tinha tudo para estar fora da curva da normalidade. O título que foi para sua capa: "GDF e Distritais são alvo de investigação". E adiantava no subtítulo o tom da cobertura: "PF e justiça apuram suposto esquema de propinas a parlamentar". Enquanto isso os jornais mais influentes do país trouxeram em suas capas:

O Globo: "Governador do DEM é suspeito de pagar propina a deputados". E diz que "PF grava José Roberto Arruda negociando repasse de dinheiro com assessor".

Folha de S.Paulo: "Governo do DF é acusado de corrupção"

O Estado de S.Paulo: "Polícia flagra `mensalão do DEM´ no governo do DF". E diz que o esquema "teria até mesmo participação do governador Arruda".

Logo no primeiro dia, o nome do governador do Distrito Federal estava nas manchetes. Menos no Correio Braziliense. E estava nas capas por uma razão muito simples: temos diante de nossos olhos e ouvidos o escândalo de corrupção mais detalhado e filmado da história política brasileira.

No dia 29/11, o Globo teve como manchete principal "PF: Arruda distribuía R$ 600 mil todo mês"; a Folha de S.Paulo optou por "Documento liga vice-governador do DF a esquema de corrupção" e o Estado de S.Paulo não deixou por menos: "Em vídeo, Arruda recebe R$ 50 mil". Novamente, o Correio fez cara de paisagem: "OAB-DF pede explicações sobre denúncias".


Mais espaço na imprensa nacional

Em 30/11, O Globo abriu sua edição com a manchete "Arruda: TSE vê indício de caixa 2"; a Folha de S.Paulo destacou na capa: "Vídeos mostram aliados de Arruda recebendo dinheiro" e o Estado de S. Paulo abriu manchete com "Vídeos `letais´ levam DEM a preparar expulsão de Arruda", destacando em subtítulo que "Provas contundentes da PF deixam governador em situação insustentável". Até o fluminense Jornal do Brasil passou a tratar do assunto com a importância que o assunto requeria: "Aliados deixam Arruda isolado". O Correio uma vez mais evitou citar o nominalmente o governador José Roberto Arruda e preferiu socializar ao máximo o escândalo. Sua manchete: "Novos vídeos expõem base aliada do GDF". Vale conferir o que o Correio achou por bem destacar:

"Gravações feitas pelo ex-secretário de Relações Institucionais do Governo do Distrito Federal Durval Barbosa, entregues à Polícia Federal, mostram deputados distritais da base aliada, integrantes e assessores do GDF recebendo dinheiro do próprio Durval, que denunciou um suposto esquema de corrupção no governo local. Em um dos vídeos, o atual presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente, aparece colocando maços de notas nos bolsos do paletó e nas meias. Diante das acusações, a cúpula nacional do partido Democratas se reúne com o governador José Roberto Arruda – que também apareceu em uma gravação – e espera que ele dê explicações públicas ainda hoje. Em Brasília, o PDT e o PSB anunciaram que não querem mais vínculo com o GDF. A direção dos dois partidos já decidiu que vai entregar os cargos que ocupam na atual administração." (Págs. 1 e 19 a 21)

No mês de dezembro, esse mês que parece uma sexta-feira alargada por 30 dias, o escândalo de corrupção recebeu maior espaço da imprensa nacional. Vejamos as manchetes do 1º de dezembro de 2009:

O Globo – "Em vídeo, empresário reclama da alta propina cobrada pelo governo Arruda
Folha de S.Paulo – "Ex-secretário liga tucano a mensalão"

O Estado de S. Paulo – "Governador do DF ameaça e DEM adia expulsão"
Jornal do Brasil – "Arruda tentou barrar operação - Governador pediu, em vão, ajuda ao STJ e a Aécio Neves"

Manchete risível

O Correio Braziliense parece divorciado da sempre aguardada objetividade e sua opção de manchete aposta na diluição das responsabilidades criminais: "Democratas divididos. Arruda se defende. Quebra de decoro na Câmara". Em 2 de dezembro, temos as seguintes manchetes:

O Globo – "Imagem de políticos recebendo propina `não fala por si´, diz Lula"

Folha de S.Paulo – "Fita expõe ação de Arruda no mensalão"


O Estado de S. Paulo – "DEM marca expulsão de Arruda para o dia 10"

Para os leitores do Correio Braziliense, o viés é outro. Chega a ser paroquial para dizer o mínimo. Temos este primor de manchete: "Arruda: Roriz quer ganhar no tapetão". Leva às suas páginas entrevista exclusiva com o governador Arruda. O tom é de defesa e desvio de foco sempre presente. Aqui a abertura da reportagem:
"Em entrevista exclusiva ao Correio, o governador José Roberto Arruda afirma que as acusações de um suposto esquema de propinas no Distrito Federal são uma tentativa do grupo ligado a Roriz de inviabilizar sua candidatura nas eleições de 2010. `Quero ter a chance de, num processo eleitoral aberto, sem tapetão, sem uso de ardis como esse, poder enfrentar o debate, poder dizer às pessoas o que o meu governo fez e o mal que Roriz fez a Brasília´, diz. Segundo Arruda, as revelações de Durval Barbosa fazem parte da estratégia do ex-governador. `O Roriz sabe que para ele voltar ele precisa me tirar de campo´, comenta. Arruda se considera `aliviado´ com a saída do ex-secretário e faz uma analogia com o trânsito ao analisar a crise. `Sofri um grave acidente de carro, mas não morri. Estou mais vivo do que nunca´" (pág.1).

Fica patente a falta de simetria entre a cobertura dos jornais paulistas e cariocas e o principal jornal do Distrito Federal. Os "de fora" parecem estar em posto de observação (e análise) privilegiado. Suas matérias não titubeiam, ficam de pé por si sós. Os jornais impressos querem estar à altura do conteúdo apresentado nos telejornais e nas emissoras de rádio. Menos o Correio. É o que iremos constatar após escrutinar as manchetes de capa dos 6º e 7º dias do escândalo.

3 de dezembro de 2009:

O Globo – "Grupo que negociava propina chamava Arruda de `big boss´"

Folha de S.Paulo – "Para mensalão do DEM, PT propõe impeachment"

O Estado de S. Paulo – "Arruda licitou panetones no dia da operação da PF - Compra foi o argumento do governador para justificar recebimento de R$ 50 mil"

Chega a ser risível a manchete escolhida pelo Correio Braziliense: "Durval acusado de desviar R$ 432 mi".


Demonstração de desconforto

Finalmente, no sétimo dia, os jornais "de fora" decidiram não descansar. Quem tirou o dia para repouso foi o Correio Braziliense. Vamos às manchetes do dia 4 de dezembro de 2009:

O Globo – "Processo contra Arruda para na Câmara do DF"

Folha de S.Paulo – "PF apura se pacote com dinheiro era para Arruda"

O Estado de S. Paulo – "Planilha detalha doações para caixa 2 de Arruda"

O Correio Braziliense, embora estivesse (presumo) acompanhando a cobertura de O Globo, o Estadão e a Folha para o escândalo das imagens em movimento, deve ter observado que no sétimo dia todas as manchetes incluíam o nome "Arruda". O Correio, numa espécie de infame trocadilho... foi imprudente ao escolher sua manchete: "Como Prudente fez o pé-de-meia".

Existem situações em que manchetes de jornais, ao serem cotejadas em determinado período de tempo, oferecem uma visão clara sobre os compromissos deste ou daquele veículo de comunicação. As leituras das manchetes denunciam também o grau de independência e profissionalismo dos veículos. E revelam, acima de tudo, os diversos níveis de compromissos.

Alguns escancaram desde suas capas a vitalidade de seus compromissos com a missão de bem informar o leitor. Enquanto outros demonstram seu desconforto ao ver, no centro de sua Redação, no lugar da tradicional árvore natalina, um prosaico panetone.

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

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