A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, explica à Deutsche Welle a posição do Brasil nas negociações internacionais sobre a mudança do clima e argumenta que é possível crescer e proteger o meio ambiente.
DW-TV: Ministra Dilma Rousseff, a senhora é chefe da delegação brasileira na conferência da ONU sobre mudanças climáticas em Copenhague. Segundo diplomatas europeus, o Brasil está contestando – junto com alguns outros países – a formulação escrita das metas centrais do combate à mudança do clima. Por exemplo, a meta de não permitir um aquecimento superior a 2ºC. É essa realmente a posição brasileira?
Dilma Rousseff: O Brasil tem uma posição clara a esse respeito. A nossa posição, como país em desenvolvimento, é a de assumir voluntariamente uma meta própria. [Quanto à redução das emissões de CO2], nossa meta voluntária é de 36% a 39%. Não temos nenhum problema com qualquer outra proposta que implique o clima. Pelo contrário, o que queremos é que os países desenvolvidos vão à mesa das negociações e também se comprometam com números concretos.
Isso quer dizer que o Brasil ainda acredita que são sobretudo os países ricos que devem combater a mudança climática?
Nós e a ciência, o Brasil e a ciência... Por quê? Todos sabem que os gases de efeito-estufa são cumulativos. Isso significa que desde a Revolução Industrial vêm se acumulando gases de efeito-estufa. Para nós – e também para a comunidade internacional, penso eu –, os países desenvolvidos devem ter metas obrigatórias por terem contribuído mais para as emissões de CO2. Mesmo não estando entre os principais responsáveis, o Brasil tem que ter uma atitude muito clara, muito firme e de muita responsabilidade. Afinal, moramos no mesmo planeta. Foi por isso que o Brasil assumiu uma meta que considero de muita importância. [Reduzir as emissões de CO2] em 36% ou 39% é uma meta generosa. Também estamos nos propondo a reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia...
Mas que tal ser mais ambicioso ainda, por exemplo, quanto ao desmatamento? Em vez de 80%, por que não 100%? No Brasil, existe o programa Fome Zero; por que não "desmatamento zero"?
Pelo mesmo motivo pelo qual vocês não se impuseram uma meta de 100% de redução das emissões. Porque é inviável. O que vocês estão propondo hoje? Uma redução de 20% a 30% em relação a 1990. E por que não propõem 40%? Porque, com 40%, a Alemanha não consegue manter o mesmo ritmo de crescimento.
Pelo que dá para entender, então, o Brasil está disposto a combater a mudança climática, mas não às custas do crescimento econômico...
Sabe qual é a porcentagem de energia renovável aqui na União Europeia? De 12%, 15% no máximo. A nossa matriz tem 46% de energia renovável. Para quem acredita na conservação do meio ambiente, o caso do Brasil mostra que é possível crescer e ao mesmo tempo ter uma matriz energética renovável, combater o desmatamento, adotar uma política extremamente proativa em favor do meio ambiente. Para crescer, não é preciso destruir as árvores; para produzir energia, não é necessário usar apenas carvão e óleo combustível. A nossa afirmação é outra: nós vamos crescer, sim, porque chegou a nossa vez. Mas vamos crescer respeitando o meio ambiente e mostrando que é possível ter um outro modelo de crescimento.
O Brasil cresceu muito ultimamente. Poderíamos dizer que se tornou um world player, um fator importante na política internacional, uma grande economia, com recursos como petróleo ou soja. Na sua visão, qual é hoje o papel do Brasil no mundo?
Justamente isso que acabei de dizer. Isso é algo muito importante, não é retórica. O Brasil demonstra que é possível, sim, crescer e respeitar o meio ambiente. Por que estou dizendo isso? Porque hoje somos o maior produtor de alimentos do mundo. Uma das nossas metas para Copenhague é o plantio direto. O que é o plantio direto? Em vez de se revolver a terra para plantar, planta-se em cima dos resíduos da cultura anterior. Está provado que essa é uma forma de captar CO2 e ao mesmo tempo ter maior produtividade. Somos um país que passou muito tempo vivendo com uma péssima distribuição de renda, de um nível comparável ao da África. Mas agora acho o que o Brasil pode apresentar ao mundo um novo modelo de desenvolvimento, uma nova concepção de sociedade, e sobretudo uma nova posição na política externa.
Agora uma pergunta um pouco mais pessoal... Em abril, a senhora teve um diagnóstico de câncer, fez uma operação e bastante tempo de quimioterapia. Nessa situação, muita gente teria dito: bem, vou trabalhar menos, vou cuidar de mim, talvez me retirar da política. Mas a senhora não, a senhora pretende se candidatar à presidência do Brasil. Qual é a motivação para isso, qual a força que a move?
Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas se você não se desarmar, percebe que a vida não acabou, que a vida continua e pode até continuar melhor. Sabe por que até melhor? Porque você também aprende, a doença ensina que a vida não vale só pelo que você faz. As pequenas coisas, as árvores, as flores... Você está vivo, está vendo o sol, o frio de Berlim... É tudo isso que compõe a vida. E se você não for capaz de aproveitar também não conseguirá combater e superar a doença. De certa forma, você pode transformar em vantagem uma terrível desvantagem.
A senhora já passou coisas difíceis na sua vida. Teve um longo passado de militância contra a ditadura militar brasileira, foi presa por causa disso e também torturada. Há momentos desse passado que ajudam a enfrentar os problemas de hoje?
Essa é uma boa pergunta. Obviamente significa alguma coisa ter enfrentado, aos 20 anos, a ditadura militar brasileira, uma ditadura que não era muito diplomática, que prendeu, torturou, matou. Isso é um aprendizado. Há outras formas de aprender, melhores do que a minha, mas o que aprendi é que é preciso resistir. Rigorosamente, só há uma pessoa que pode derrotar você: é você mesmo, com seus medos e temores. Mas se você tiver calma, isso passa.
Entrevista: Christopher Springate
Revisão: Roselaine Wandscheer
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4973132,00.html
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